ENSAIO: Jujubas

Postado por: Léo | Marcadores: | às 10:03

0

Beatriz de Melo

Enquanto os jornalistas perguntavam de onde veio o nome da banda, se eles usavam perucas e outras coisas do tipo, os Beatles costumavam dar respostas espontâneas e fazer comentários peculiares. No início de 1963, durante uma entrevista, John manifestou seu apreço por balas e ainda brincou que George havia comido todo o seu estoque. No dia seguinte, ele começou a receber jujubas, com cartão que dizia "Não dê nenhuma ao George". E George começou a receber algumas, com a mensagem "Aqui vão algumas para você, George, não precisa pegar as do John." Depois disso, os Beatles passaram a ser recebidos no palco com uma chuva de doces. Os confeitos atingiam as guitarras e os pratos. Uma vez, provocaram um corte no supercílio de John. Com a esperança de acabar com a ameaça, Paul declarou que já estavam "curados do vício das balas."

A notícia da cura não parece ter chegado à América. Na primeira vez que estiveram nos Estados Unidos, tocaram no Washington Coliseum, um antigo ginásio com capacidade para 18 mil pessoas. A beatlemania atravessou o oceano e os fãs americanos também bombardearam o grupo com jujubas. As balas americanas, chamadas de "jelly babies", eram mais duras e para piorar o palco era aberto para os quatro lados. De vez em quando, um dos confeitos, duros como pedra, acertava a corda da guitarra de George e arrancava uma nota errada.

Se o comportamento dos fãs incomodou os Beatles, eles não deixaram transparecer. A princípio devem ter achado divertida a situação. No fim das contas, os bombardeios não faziam diferença na qualidade dos shows. A reação que os quatro rapazes causavam, principalmente nas adolescentes, nunca teve explicação. Se os fãs esperavam que eles comessem todas aquelas balas? Duvido. Acho que eles só queriam agradar, demonstrar sentimentos. Às vezes nós jogamos jujubas em alguém sem nem perceber.

E eu? Eu queria ter estado lá e jogado muita jujuba neles.

ENSAIO: A verdade é desbravadora

Postado por: Léo | Marcadores: | às 09:59

0

Maria Aparecida Pinto

A ambiguidade das coisas humanas é contraditoriamente clara. O cidadão dotado do direito de decidir por si próprio se envereda por caminhos de pura entropia e o que descobre? É que sua posição é a daqueles que não se nutrem de rãs, mas engolem sapos. Posição de eterna vigia, mas de esperança de uma liberdade que a qualquer momento pode nos brindar com o ar de sua graça. É este o sorriso amarelo mais esperado.

O que o cidadão não sabe conscientemente é que seu poder de indivíduo convalesce e insiste em atuar, contrariando o conceito “atual” de massa e o conceito vanguardista de povo. Ambas as denominações circundam uma massa amorfa presente em períodos históricos controversos.

A denominada turba sempre respondeu à chamada. Sempre ali se fez presente. Mas o que se exige não é mera assimilação, é prática. Quando o sujeito vive a informação na prática há a cultura. A deglutição é o primeiro passo para a experimentação do mundo. Deixemos como outrora fizeram os antropofágicos do movimento modernista brasileiro, absorvamos o outro e o eu não apenas pelas papilas gustativas, mas pelas dobras do tecido digestivo. Deixemos que a corrente entrópica se constitua fluxo em nossa própria corrente de vida e se “capilarize” em tecidos virgens de experimentação.

Pode parecer uma miscelânea de partes desconexas, sem nexos. Uma confusão peculiar apenas aos mais afoitos. A verdade se encontra entrincheirada justamente nesta característica. A verdade constitui quebra. O destrinchamento do todo é a verdade, por esta razão alcançar a verdade exige um mínimo de rudeza para que se possa pedir polidamente:

- Posso ver-te por dentro?

Talvez não se pressuponha o uso da faca, mas o sujar-se de sangue é necessário. O sangue é o fluxo condutor que possibilita a capilaridade. Então utilizemos a mesma tática do Pequeno Príncipe (a mesma tática de Maquiavel, para os mais incisivos processos).

Nenhum processo é ferrenhamente frankfutiano. E se fosse não seria um processo. À medida que conhecemos a verdade ela se instala em nossas células e requisita reconhecimento de campo, por isso não pode ser nunca acessada de forma pura ou direta.

Embrenha-se em andanças que se fazem pertinentes por terem como objetivo conhecer a verdade de seu hospedeiro. Como o processo de conhecimento da verdade possui um pouco do caráter funcionalista- o todo pela interação de suas partes- somos desbravados. Crenças são colocadas em cheque, sonhos abandonados, amizades desfeitas. Neste processo, consome-se parte da velha entropia. Consomem-se partes de nos mesmos e se retorna a antropofagia. O silêncio é a verdade.

Elite da Tropa, e das bilheterias

Postado por: Léo | Marcadores: | às 09:49

0

Eduardo Guimarães

Não são os monstrengos azuis, ou os vampiros dos adolescentes, talvez seja algo para o bruxinho da cicatriz na testa, mas este ano o que lotou os cinemas brasileiros foi uma obra nacional, Tropa de Elite 2. O filme já soma mais de R$ 84 milhões de arrecadação e 10 milhões de espectadores, superando o fenômeno “Avatar” como a maior bilheteria do ano no país. Nacionalmente, a produção também já desbancou “Nosso Lar” e “Chico Xavier” juntos. E o filme tem todos os méritos para estes números.

O começo do filme já nos insere em seu final. Isso mesmo, a história mostra o Capitão Nascimento (vivido por Wagner Moura) saindo de um hospital, e narrando alguns acontecimentos daquele dia. Ao mesmo tempo é mostrado homens conversando por radio comunicadores, assim que Nascimento é alvejado por bandidos um flashback interrompe a cena. Agora é exibida uma situação de quatro anos atrás, quando uma rebelião em Bangu 1, liderada por Beirada (Seu Jorge) acaba em uma verdadeira chacina e a morte do líder pelo então braço direito do Capitão, André Matias. Mas a morte do bandido não foi da melhor maneira, Matias desrespeita uma ordem de Nascimento, invade um espaço dominado por Beirada e um ativista dos direitos humanos que estava no local para tentar resolver o conflito é feito de refém pelo bandido. Em um momento de desatenção do traficante, Matias, por conta própria, atira em Beirada. A partir daí ele foi usado como bode expiatório e expulso do BOPE, já Nascimento foi visto como herói pela população, e nomeado para o cargo de Subsecretário de Inteligência da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Quando Matias é assassinado e uma das missões falha, Nascimento toma a situação como algo pessoal e parte contra o crime, custe a quem custar.

Assim, a relação “segurança pública e política” é colocada em xeque por José Padilha e Braulio Mantovani, roteiristas que conseguiram com eficácia mostrar que para a polícia, o inimigo agora é outro. Nesta fase mais madura do Capitão Nascimento, que se torna chefe de segurança do Rio de Janeiro, ele precisa lutar não apenas contra os traficantes do morro carioca, mas são políticos, gente que tem poder e que pode prejudicá-lo. Seu filho também já está com 15 anos, e o Capitão precisa arrumar tempo para ser pai.

A receita para Tropa de Elite 2 é toda nacional, corrupção, violência, pobreza, política, drogas e dinheiro. Todos os itens necessários para que se crie um poder paralelo. O produto final pode ser dividido entre todos os brasileiros, que fazem parte deste sistema. É unânime dizer que após assistir o filme percebemos que foi um tapa na cara da sociedade, entretanto o sentimento de impotência quanto à situação que estamos vivendo é reforçado. Existe aqui uma inversão de papéis, o policial está atrás do bandido, que agora é a lei. E toda uma sociedade é vítima, de mãos atadas, que assiste à tudo sem desconfiar dos acontecimentos.

Os roteiristas, juntamente com o diretor José Padilha, conseguiram colocar o dedo na ferida brasileira, mostrar quem são os verdadeiros inimigos. De onde sai toda a verba que financia as drogas e armas no Brasil. Quem são realmente os poderosos Chefes do Tráfico. Parodiando Renato Russo: “Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá”. O filme funciona como um primeiro passo para a quebra de paradigmas. Direitos Humanos, eleições e narcotráfico, qual a relação?

Sobre o elenco não existe dúvidas que Wagner Moura está mais maduro, assim como o Capitão que agora assume um cargo político de alta influência. Ele está pronto para qualquer papel, já viveu humor e drama na TV, agora prova que é um ator competente em tudo que faz. André Ramiro, que interpreta o Capitão Matias, mostra que o laboratório feito com a SWAT surtiu efeito e culminou com uma atuação fria e perfeita para um “aprendiz de Nascimento” se é que podemos criar este termo. Os demais personagens atuam com o reflexo da competência dos atores principais, que passam segurança para todo o elenco.

Se eu falar mais alguma coisa conto o final do filme, e não seria interessante para o leitor. Mas se é do seu interesse ver o que está por trás dos podres poderes, o que acontece em uma favela, quais as pessoas que sobem o morro e o que é feito com aqueles que vão atrás de toda a sujeira, o filme fica como uma dica e um alerta, que, “o inimigo agora é outro”.

CRÔNICA: Ah do Doze!

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 14:12

0

Rodolfo Gregório
 
Ah o Doze! Muita gente esperando uma das festas mais tradicionais de Ouro Preto. Festa que une todos os tipos de pessoas, os que morrem por ela, e os que criticam durante o ano todo, mas não perdem a oportunidade de beber uns quatro dias “na faixa”.

Ah o Doze! O Doze de 2010 foi mais ou menos igual ao Doze de 2009, que foi mais igual ao Doze de 2008, afinal tradição é tradição, não pode mudar. Mulheres entram, homens ficam pra fora, quase sempre. Sheena esperava freneticamente pela festa, tinha preparado tudo: quatro vestidos curtos, seis calcinhas mastigáveis, um perfume lubrificante, sete batons (todos vermelhos), enfim tudo que uma festa desse porte exige.

E lá foi Sheena fazer o circuito do Doze, entrou em várias repúblicas, bebeu demais, comeu demais, foi diversas vezes ao banheiro e é lógico beijou demais. Em uma das vezes três homens que haviam se beijado na boate, seduziram a moça e ofereceram três pratos de tropeiros em troca de um beijo em cada um, é lógico que Sheena aceitou, porém não quis continuar no local. Entrou então na república FIFA (Fazendo Incesto Forçado com Amor), muita música, cerveja, mulheres bonitas, cabeças raspadas e apelidos superinteressantes.

A festa tava rolando a todo vapor até que Sheena reconheceu Savana, a menina que a iniciou nas experiências homossexuais. O acontecido já tinha algum tempo, Sheena preferia ter esquecido, e deu graças a deus pelo assunto não ter chegado aos ouvidos de ninguém. Conversa vai conversa vem até que Pato Doido, bixo da casa, encantado por Savana resolveu investir na moça que de lésbica caminhão não tinha nada. Savana, sem ir contra seus preceitos negou às investidas do rapaz. Sem sucesso, ele continuava a ladainha para pegar a rapariga. Num momento de desespero Savana ao ver Sheena passar, agarrou-a e lascou um beijo. Sheena se assustou no primeiro momento, mas acabou se acostumando e relembrando como tinha gostado da meiguice e versatilidade de Savana.

No momento do beijo, a festa inteira parou para ver. Algumas meninas vomitavam, outras aplaudiam e outras se beijavam. Alguns rapazes vomitavam, outros iam ao banheiro e outros se beijavam. A festa tomou uma cara nunca vista antes. Pato Doido pediu ao decano Macarrão Suculento para permitir que as moças realizassem uma espécie de show para a garotada, e no lugar da banda, Sheena e Savana subiram ao palco se beijando cerca de quatro horas ininterruptamente. Nesse momento a FIFA estava tendo o melhor Doze de Ouro Preto.

Sheena acordou no outro dia, ainda na república, levemente alcoolizada e ao lado de Savana. Durante a noite os moradores construíram um quarto com paredes de vidro para que Ouro Preto todo visse o espetáculo. E assim foi durante os restantes três dias de festa, muita música, bebida, e é lógico o show de Sheena e Savana, que passaram a receber cachê pela coragem.

Mas tudo o que acontece no Doze fica no Doze, e ao findar da festa, Sheena e Savana perderam o contato, cada uma seguiu seu rumo. Mas o rumo de Sheena pode mudar, pois foi convidada a batalhar na “Palestinas do Pai”, uma república que não é lésbica assumida, nem popular. Querem Sheena para dar um “UP” nas relações com as outras meninas. Sheena diz que está estudando a proposta e se vir a Ouro Preto pretende cursar Ciência e Tecnologia de Alimentos, pois foi aconselhada a passar longe das Engenharias, o motivo é o excesso de fornicação entre seus membros.

ENSAIO: O prato que se come frio

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 14:04

0

Fádia Calandrini
 
Vejo em muitas tramas o tema vingança fazer muito sucesso. Tramas em suas variadas formas: novelas, filmes, séries, livros, músicas e por aí vai. Histórias muito bem formuladas fazem com que uma fraqueza do ser humano seja algo perdoável, aceitável. Vamos aos exemplos.

O clássico de João Emanuel Carneiro, A Favorita, é um objeto que ilustra muito bem o assunto. A personagem de Patrícia Pilar, a Flora, maquina durante toda a novela planos para se vingar de sua ex-melhor-amiga. Aos poucos vai acabando com a vida da personagem de Cláudia Raia, a Donatela. Tira o dinheiro, a filha, a liberdade, os amantes, os amigos. Mas o que é interessante de se observar, é que tudo isso tem uma justificativa. Sua vingança se torna aceitável aos olhos dos telespectadores pelo simples fato de que Flora também sofreu.

Outro clássico é a música “Smile” de Lily Allen. O clipe da música da inglesa é um de seus maiores sucessos e dá o exemplo de vingança ao extremo. A personagem do clipe foi traída pelo namorado e durante toda a música segue uma saga de vinganças incessantes. Manda um grupo de bandidos espancar o ex, destrói seu apartamento, coloca laxante em sua bebida, destrói sua carreira. Tudo isso de uma forma engraçada, prazerosa.

Agora, é pertinente mesmo pensar que esse sentimento é de tirar risadas, ou até mesmo oferecer algum tipo de prazer? O que faz o ser humano se sentir tão atraído por isso? É o ego ferido. O homem não suporta aceitar que foi prejudicado e não pode fazer absolutamente nada diante dessa situação. Alimentar o ego e dizer para si mesmo que “isso não vai ficar assim” só faz uma cortina de fumaça naquele buraco onde a ferida ainda continua aberta.

Aquele prato que se come frio não é porque ele demora a ser produzido, e sim porque ele não tem sabor. Ele mata a fome, mas não há prazer em consumir, o gosto é amargo, só alimenta a certeza de que o vazio continua ali, a ferida não desapareceu com o plano maquiavélico e totalmente calculado. O que fica é a certeza de que o próximo passo pode vir a ser mais sujo, e totalmente sem sentido.

CRÔNICA: Vamo Imbôlá

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 14:02

0

Fernando Gentil
 
Carlos era um garoto que se achava normal, mas as vezes se achava estranho. Na verdade ele não achava nada, só achava que achava e nada mais do que isso. A vida dele sempre foi bem “turbulada”, apesar de ele não saber o significado dessa palavra, nem ter sequer um dia tido esta vontade. Carlos é uma “metamorfose ambulante”, mas não sabe o que é isso, nem quem é Raul Seixas e odeia música.

Carlos, na verdade, gosta de ler, pois, segundo ele, ler é bom, ele não sabe o porquê, mas só sabe que é bom, porque para ele é bom e isso basta. Porém, isso também foi hoje, porque ontem ele gostava de tirar foto e amanhã as pesquisas indicam que ele vai querer virar mergulhador de águas rasas.

Carlos tem uma vida agitada, embolada, descontrolada e outras coisas que terminam com ada. Até que em um dia de sua grande e diversa vida, Carlos decidiu que precisava de uma pessoa. Não importava sexo, idade, senso de humor ou se a beleza dela é natural, artificial, ou criada pela sua própria cabeça. Carlos achou esta pessoa, mas não me quis falar o nome, só me disse que era uma pessoa e que era para mim chamá-la assim.

Carlos pertencia ao seu amor durante as terças e quintas. Enquanto o amor de Carlos pertencia a ele as segundas, quartas e sextas. Sábados e domingos ninguém era de ninguém. Porém, a monotonia e a rotina da vida a dois foi cansando Carlos que decidiu imbôlá até no seu relacionamento. Tinha segunda que ele pertencia ao outro, tinha terça que ninguém era de ninguém, tinha quarta que todo mundo era de todo mundo, tinha quinta que Carlos era só de Carlos, tinha sexta que Carlos era de ninguém e tinha final de semana que ele descansava. Mas as coisas não eram tão certas assim, era sábado no lugar da quarta, terça no lugar da quinta, segunda no lugar da sexta e, na verdade, Carlos nem sabia o que era segunda, terça, quarta, quinta... Ele descobria e esquecia as coisas em questão de horas, minutos, segundos, esqueceu.

Carlos voltou a sua vida agitada e animada, porém a pessoa que ele dizia que “amava” - mas na verdade este fato só se consolidava quando Carlos queria – pensou, achou, viu e concluiu que Carlos não a amava mais e que o que ele queria mesmo era curtir com a sua cara.

Carlos, agora sozinho, ficou triste por um tempo, algumas horas, mas depois voltou a imbôlar de vez. Carlos não tem jeito, não sabe viver na rotina, não sabe ter uma pessoa só, não sabe ter uma vida só, não sabe ter uma roupa só, não sabe comer uma coisa só, não sabe beber uma coisa só. Enfim, Carlos só quer viver sem pensar em futuro ou passado, Carlos não é adição, é multiplicação e assim vai ser até o dia que ele não existir mais, e olha que ele nem acredita nisso, na verdade, ele não acredita em nada, se bem que...

CRÔNICA: A todo custo

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 08:31

0

Rodolfo Gregório

Desde pequena Maria sempre deixou claro sua pré-disposição em se tornar famosa. Quando criança nas festas infantis sempre dançava a frente das outras meninas, e se dizia a melhor de todas. Colocava defeitos nas coleguinhas, se tornando o centro das atenções. Essa insistência em estar à frente permaneceu durante a adolescência.

Aos 15 anos Maria assistiu ao primeiro Big Brother Brasil e teve a certeza que ali estaria a melhor forma de exteriorizar seu “talento” (ainda não definido). Mas para isso teria que esperar os 18 anos e conquistar a sonhada liberdade.  A primeira inscrição veio para a sexta edição. Na filmagem, Maria preparou falas para toda a família que posava junto a ela, e repetiam coisas do tipo: “A Mary vai arrasar lá dentro”; “Ela tem muito talento”; “Vocês não vão se arrepender de colocá-la”. O pai, trabalhador rural, achava uma besteira e não participava da “pataquada”, classificada por ele.

Enfim, durante quatro anos, Maria tentou de todas as formas entrar para a atração televisiva. Começou a malhar, fez escova progressiva, pintou os cabelos de roxo e mudou seu nome para Sheena. Para a décima edição, ela desistiu do emprego de secretária e começou a recolher o lixo da cidade, segundo ela para criar mais impacto. Porém nada disso deu certo, Maria, ou melhor, Sheena não foi chamada nem para a primeira entrevista. Desiludida, resolveu voltar ao antigo emprego, e esperar a próxima oportunidade.
Num dia, navegando pela internet, Sheena viu um anúncio de inscrição para um novo reality que iria estrear na TV Educativa Trem da Terra. O anúncio dizia: “Doze pessoas vivendo num poço artesiano durante dois meses, com bichos de todas as espécies, enfrentando a convivência forçada e assombrados pelo fantasma da eliminação semanal. Mande seu vídeo! Venha participar dessa aventura”.

Shenna não pensou duas vezes em se inscrever, preparou o vídeo mais caprichado de todas as tentativas e enviou. A resposta veio três semanas depois, Sheena havia sido uma das 40 pessoas pré-selecionadas. A felicidade foi grande, entretanto o telefonema deixava claro que Sheena não poderia falar a ninguém sobre a notícia. O processo durou um mês. Na última entrevista achou que tinha se saído mal e voltou para casa desolada. Após uma semana recebeu a visita de um rapaz dizendo que Sheena teria meia hora para arrumar sua mala e ir rumo ao “Poção do Povo”.

Dentro do confinamento Sheena pensava em cada ato, esperando claro sua entrada ao mundo das celebridades quando saísse do programa. Para ela o formato inovador da atração estava sendo sucesso de audiência. Logo na primeira semana iniciou um romance com Brutus, um dançarino de uma boate destinada a homens da terceira idade. Mas os planos de Sheena não deram certo, Brutus foi eliminado logo na primeira “lavagem”. Como plano B, a “Gostosa do Spray”, apelido dado pelos companheiros, começou a se insinuar para Marta Scania, uma lésbica caolha. Com o romance em andamento, Sheena tinha certeza que teria ao seu lado todos os gays e deficientes.

Entretanto mais uma vez seus planos foram por água a baixo e na terceira “lavagem”, foi a vez de Sheena dar adeus ao sonho do prêmio de uma casa própria e 40 mil em barras de ouro. Na saída seu discurso foi de agradecimento ao seu fá clube (ela tinha certeza que teria um). Quando perguntada sobre o que esperava para o futuro, Sheena disse o que esperava trabalhar muito e mostrar a todos seu talento (ainda não definido).

A realidade de Sheena foi bem mais dura do que imaginava. Os convites para programas de TV não vieram. O tão sonhado ensaio nu para a Playboy se transformou numa capa para Jornal Metrópole Rural dividida com mais três mulheres: a Musa do Brasileirão série C, a Miss Doméstica e a primeira eliminada do primeiro No Limite.

Nenhum evento, nada de grana. Tudo o que Sheena conseguiu foi um namorado, Márcio, advogado correto e super honesto. Mas todos sabiam que seu grande sonho era alcançar a tal fama, mesmo que instantânea. Num domingo, assistindo Fantástico, Sheena, que nessa altura já tinha voltado a ser Maria, viu uma entrevista do goleiro Bruno. Mais um estalo de ideias lhe surgiu.
Após uma longa semana preparando o plano, Maria se encontrou com o namorado às três da tarde para irem ao cinema, passaram o dia todo juntos, Ao anoitecer ela sugeriu que fossem a um lugar mais reservado para transarem. Ao estacionar, Márcio começou a beijar a namorada, e envolvido no lance não viu Maria retirar da bolsa uma faca de cozinha e ao som de Esse Amor em Mim, nova música do Restart desfigurou uma apunhalada no pobre rapaz. A última conversa entre os dois foi: “Porque?” “Porque, esse é o preço para se tornar uma estrela”.

Com Marcio ainda vivo, mas sem reação alguma, Maria soltou o freio de mão e empurrou o carro em direção a um lago no final da ribanceira. O advogado morreu afogado, sem poder fazer nada, nem pedir socorro. Depois de um longo período de investigação Maria Célia de Souza, foi presa e ficou cerca de quatro meses na cadeia.

Hoje, Sheena Maomé (novo nome artístico) frequenta programas de TV vespertinos para dar depoimentos sobre como se arrepender de um crime e aproveitar para divulgar a “Igreja Socorro Maior em nome de deus e de todos os profetas, daí-me a vitória senhor”, que fundou com outros companheiros. Participou de um programa sobre moda e foi convidada a integrar o júri de um programa de calouros, mas disse que ainda é cedo e prefere primeiro lançar seu primeiro CD gospel. Segundo ela todo seu talento será revertido em obras religiosas. Para Sheena  a fama não é mais um obsessão, mas não descarta a possibilidade de integrar o elenco da próxima edição do Busão do Brasil.

CRÔNICA: Bicho de sete cabeças

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 11:29

0

Beatriz de Melo

Há dois anos eu terminei um relacionamento. Eu nunca entendi o que se passava pela cabeça da Adélia. Não entendo até hoje se era insegurança ou maluquice mesmo. Ela tinha ciúmes até da minha sombra e desconfiava se eu atrasasse três minutos.

No começo, eu achava que era normal, ela agia de uma forma que eu achava ser um padrão feminino. Se eu a chamava de amor, estava sendo falso. Quando não falava nada, era frio. Se ela começava algum assunto, tinha que dar continuidade como se fosse a coisa mais incrível do mundo, se não, é porque eu não prestava atenção no que ela dizia. Se comentasse algo que tinha feito e ela não sabia, ela brigava, se não comentasse e ela descobrisse, era traidor. Se elogiava a roupa, dizia que era a mesma de sempre. Se não elogiava era por que não reparava nela. Se olhava pros lados, eu estava olhando para outra. Se não olhava, ela dizia que eu estava fazendo discretamente.

Nosso namoro havia acabado de completar um ano quando ela teve ciúme do meu Super Nintendo. Essa foi a primeira prova de que tinha algo errado com aquela mulher. Tentei explicar que ela não precisava brigar comigo só por que eu passava alguns minutos com o videogame. Brigamos um pouco, mas nos entendemos. Logo, foi a vez de sentir ciúmes da minha cachorra. Ela achava que eu amava mais o bichinho e quis que eu me desfizesse dela. Eu nem acreditei. Também passei por cima dessa e continuamos juntos. Na minha formatura, ela deu um show. Quase bateu na professora que me entregou o diploma e na pista de dança, derrubou um copo de vinho na mulher. Depois de muita insistência dela, consegui perdoar. Quando consegui um emprego, ela ficou triste. Falou que eu ia abandoná-la, que arrumaria alguém no escritório e mais uma dúzia de besteiras. Tentei convencê-la de que nada disso iria acontecer e ela se acalmou.

Adélia ficou algum tempo sem aprontar alguma muito grande. Até achei que ela tinha amadurecido. Foi quando eu comprei um carro. Ah, o carro! Ela não ficou satisfeita com a ideia, falou que ele só serviria pra eu dar carona pra alguma biscate. Como sempre, falei que ela estava errada, perdi a paciência e fui embora. Ela veio andando atrás de mim, eu entrei no carro, arranquei e não é que ela se jogou na frente do automóvel em movimento. Deus! Eu já estava com medo daquela mulher. Ela foi parar no hospital por uma das brigas que a imaginação fértil dela causava. Eu já tinha decidido, não queria alguém assim na minha vida. Mas ela estava hospitalizada e aquele não era o momento ideal para conversarmos. Resolvi levar flores. Ela cismou que eu a minha intenção era conquistar a enfermeira dando-lhe flores. Foi demais pra mim. Quis estrangular aquela filha da mãe. Mas preferi ir embora e deixá-la sob os cuidados da família. Olhei pra mesinha de cabeceira que tinha ao lado da cama dela e não achei minhas chaves que estavam ali alguns minutos antes. Adélia olhou pra mim sorrindo e disse: "Eu engoli suas chaves, sei que não vou digerir, mas pelo menos você não vai embora."

CRÔNICA: O sol desgasta

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 11:27

0

Maria Aparecida Pinto

Dizem que todos conhecem a eficácia dos relógios suíços e dos canivetes principalmente. Mas contrariando a maioria All não compartilhava desta verdade. O menino somente conheceu o que era um verdadeiro relógio estrangeiro quando do silêncio da observação partiu para o estalo da experimentação.

Que estalo!

A partir daí viu as pequenas engrenagens que possibilitavam a marcação do tempo, as pequeninas peças tubulares, circulares, achatadas que cabiam todas ali na sua pequena mão de criança e cumpriam o dever de encenar o movimento das horas.

 Assegurou-se de ter compreendido o processo quando identificou o mesmo movimento compassado, regular e contínuo que marcou parte de seu corpo e o impossibilitou de observar, sentado na grama, o voar das gaivotas por alguns dias.

Como iria saber que o conhecimento doía tanto?

CRÔNICA: Coisas que não dão para engolir e que me fazem dormir

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 11:25

0

Fádia Calandrini

Não costumo ouvir conversas no ônibus quando vou trabalhar. Mentira. Pelo contrário, faço esforço para ouvir histórias em uma viagem de uma hora. Assim passa mais rápido as viagens de curvas que sempre me dão náuseas. Poderia ouvir música, ler um livro, mas não resisto a uma boa conversa matinal de estudantes e trabalhadores felizes em estar acordados às sete. Nem tento resistir.

Os assuntos quase semelhantes que ouço todos os dias fazem minhas manhãs parecerem sempre iguais. Reclames de sono, da chuva, do tempo seco, do frio e calor em excesso, da sexta-feira que nunca chega, e por aí vai. Hoje não me pareceu como os outros dias. O clichê fora quebrado por uma longa história de traição amorosa de uma moça na minha frente. Meu disfarce consistia em fingir que estava num profundo sono naquela poltrona tão desconfortável.

É como assistir alguma novela de Manoel Carlos. Logo me lembro das água-com-açúcar de Maneco: não há vilão nem mocinhos e sim pessoas. Não há o certo e errado, e sim situações que forçam a tolerância às idiossincrasias de personagens detestáveis. Por que então que esses espelhos da nossa realidade feitos nas novelas de Manoel Carlos me dão tanto sono?

Porque tudo que ele mostra eu já vivo todos os dias. No meu ônibus: indo trabalhar às sete e buscando distrações nas conversa alheias; no meu trabalho: a necessidade de sorrir quando não tenho vontade nem motivo; na faculdade: quando procuro me concentrar mesmo quando meu cansaço me vence. Já vivo no mundo de Manoel Carlos, onde não sou vilão nem mocinho, onde não sei o que é certo nem errado, onde a tolerância deve tomar conta de mim mesmo quando sou rodeado de personagens detestáveis.

Não me interessa assistir algo que já vivi durante todo o dia. Meus olhos amortecem imediatamente quando vejo, de verdade. Um texto bem escrito, atores globais extremamente talentosos não conseguem me despertar de sonhos muito mais excitantes e envolventes do que uma simples trama do cotidiano. Sonhos onde os nomes mudam e, com toda a certeza, não existe nenhuma Helena neles.

Minha rotina nunca muda: o Jornal Nacional me obriga por osmose emendar aos sonolentos capítulos de Maneco. Às 9 e dez já começo a assistir a novela de meus sonhos, parecidas com as tramas de A Usurpadora: o vilão é punido e o mocinho contemplado. Acordo já na hora e entrar no ônibus onde tenho que engolir os reclames de sempre. “Nossa, tá frio né?!”, “Que calor hoje!”, “Que chuva chata!”, “Que tempo seco!”, “Por que a sexta-feira não chega?!”. E de vez em quando me surpreendo com histórias que acrescentam mais no meu dia o que Viver a Vida, Páginas da Vida, Coisas da Vida, Chatices da Vida.