CRÔNICA: A todo custo

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 08:31

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Rodolfo Gregório

Desde pequena Maria sempre deixou claro sua pré-disposição em se tornar famosa. Quando criança nas festas infantis sempre dançava a frente das outras meninas, e se dizia a melhor de todas. Colocava defeitos nas coleguinhas, se tornando o centro das atenções. Essa insistência em estar à frente permaneceu durante a adolescência.

Aos 15 anos Maria assistiu ao primeiro Big Brother Brasil e teve a certeza que ali estaria a melhor forma de exteriorizar seu “talento” (ainda não definido). Mas para isso teria que esperar os 18 anos e conquistar a sonhada liberdade.  A primeira inscrição veio para a sexta edição. Na filmagem, Maria preparou falas para toda a família que posava junto a ela, e repetiam coisas do tipo: “A Mary vai arrasar lá dentro”; “Ela tem muito talento”; “Vocês não vão se arrepender de colocá-la”. O pai, trabalhador rural, achava uma besteira e não participava da “pataquada”, classificada por ele.

Enfim, durante quatro anos, Maria tentou de todas as formas entrar para a atração televisiva. Começou a malhar, fez escova progressiva, pintou os cabelos de roxo e mudou seu nome para Sheena. Para a décima edição, ela desistiu do emprego de secretária e começou a recolher o lixo da cidade, segundo ela para criar mais impacto. Porém nada disso deu certo, Maria, ou melhor, Sheena não foi chamada nem para a primeira entrevista. Desiludida, resolveu voltar ao antigo emprego, e esperar a próxima oportunidade.
Num dia, navegando pela internet, Sheena viu um anúncio de inscrição para um novo reality que iria estrear na TV Educativa Trem da Terra. O anúncio dizia: “Doze pessoas vivendo num poço artesiano durante dois meses, com bichos de todas as espécies, enfrentando a convivência forçada e assombrados pelo fantasma da eliminação semanal. Mande seu vídeo! Venha participar dessa aventura”.

Shenna não pensou duas vezes em se inscrever, preparou o vídeo mais caprichado de todas as tentativas e enviou. A resposta veio três semanas depois, Sheena havia sido uma das 40 pessoas pré-selecionadas. A felicidade foi grande, entretanto o telefonema deixava claro que Sheena não poderia falar a ninguém sobre a notícia. O processo durou um mês. Na última entrevista achou que tinha se saído mal e voltou para casa desolada. Após uma semana recebeu a visita de um rapaz dizendo que Sheena teria meia hora para arrumar sua mala e ir rumo ao “Poção do Povo”.

Dentro do confinamento Sheena pensava em cada ato, esperando claro sua entrada ao mundo das celebridades quando saísse do programa. Para ela o formato inovador da atração estava sendo sucesso de audiência. Logo na primeira semana iniciou um romance com Brutus, um dançarino de uma boate destinada a homens da terceira idade. Mas os planos de Sheena não deram certo, Brutus foi eliminado logo na primeira “lavagem”. Como plano B, a “Gostosa do Spray”, apelido dado pelos companheiros, começou a se insinuar para Marta Scania, uma lésbica caolha. Com o romance em andamento, Sheena tinha certeza que teria ao seu lado todos os gays e deficientes.

Entretanto mais uma vez seus planos foram por água a baixo e na terceira “lavagem”, foi a vez de Sheena dar adeus ao sonho do prêmio de uma casa própria e 40 mil em barras de ouro. Na saída seu discurso foi de agradecimento ao seu fá clube (ela tinha certeza que teria um). Quando perguntada sobre o que esperava para o futuro, Sheena disse o que esperava trabalhar muito e mostrar a todos seu talento (ainda não definido).

A realidade de Sheena foi bem mais dura do que imaginava. Os convites para programas de TV não vieram. O tão sonhado ensaio nu para a Playboy se transformou numa capa para Jornal Metrópole Rural dividida com mais três mulheres: a Musa do Brasileirão série C, a Miss Doméstica e a primeira eliminada do primeiro No Limite.

Nenhum evento, nada de grana. Tudo o que Sheena conseguiu foi um namorado, Márcio, advogado correto e super honesto. Mas todos sabiam que seu grande sonho era alcançar a tal fama, mesmo que instantânea. Num domingo, assistindo Fantástico, Sheena, que nessa altura já tinha voltado a ser Maria, viu uma entrevista do goleiro Bruno. Mais um estalo de ideias lhe surgiu.
Após uma longa semana preparando o plano, Maria se encontrou com o namorado às três da tarde para irem ao cinema, passaram o dia todo juntos, Ao anoitecer ela sugeriu que fossem a um lugar mais reservado para transarem. Ao estacionar, Márcio começou a beijar a namorada, e envolvido no lance não viu Maria retirar da bolsa uma faca de cozinha e ao som de Esse Amor em Mim, nova música do Restart desfigurou uma apunhalada no pobre rapaz. A última conversa entre os dois foi: “Porque?” “Porque, esse é o preço para se tornar uma estrela”.

Com Marcio ainda vivo, mas sem reação alguma, Maria soltou o freio de mão e empurrou o carro em direção a um lago no final da ribanceira. O advogado morreu afogado, sem poder fazer nada, nem pedir socorro. Depois de um longo período de investigação Maria Célia de Souza, foi presa e ficou cerca de quatro meses na cadeia.

Hoje, Sheena Maomé (novo nome artístico) frequenta programas de TV vespertinos para dar depoimentos sobre como se arrepender de um crime e aproveitar para divulgar a “Igreja Socorro Maior em nome de deus e de todos os profetas, daí-me a vitória senhor”, que fundou com outros companheiros. Participou de um programa sobre moda e foi convidada a integrar o júri de um programa de calouros, mas disse que ainda é cedo e prefere primeiro lançar seu primeiro CD gospel. Segundo ela todo seu talento será revertido em obras religiosas. Para Sheena  a fama não é mais um obsessão, mas não descarta a possibilidade de integrar o elenco da próxima edição do Busão do Brasil.

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