CRÔNICA: Bicho de sete cabeças

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 11:29

0

Beatriz de Melo

Há dois anos eu terminei um relacionamento. Eu nunca entendi o que se passava pela cabeça da Adélia. Não entendo até hoje se era insegurança ou maluquice mesmo. Ela tinha ciúmes até da minha sombra e desconfiava se eu atrasasse três minutos.

No começo, eu achava que era normal, ela agia de uma forma que eu achava ser um padrão feminino. Se eu a chamava de amor, estava sendo falso. Quando não falava nada, era frio. Se ela começava algum assunto, tinha que dar continuidade como se fosse a coisa mais incrível do mundo, se não, é porque eu não prestava atenção no que ela dizia. Se comentasse algo que tinha feito e ela não sabia, ela brigava, se não comentasse e ela descobrisse, era traidor. Se elogiava a roupa, dizia que era a mesma de sempre. Se não elogiava era por que não reparava nela. Se olhava pros lados, eu estava olhando para outra. Se não olhava, ela dizia que eu estava fazendo discretamente.

Nosso namoro havia acabado de completar um ano quando ela teve ciúme do meu Super Nintendo. Essa foi a primeira prova de que tinha algo errado com aquela mulher. Tentei explicar que ela não precisava brigar comigo só por que eu passava alguns minutos com o videogame. Brigamos um pouco, mas nos entendemos. Logo, foi a vez de sentir ciúmes da minha cachorra. Ela achava que eu amava mais o bichinho e quis que eu me desfizesse dela. Eu nem acreditei. Também passei por cima dessa e continuamos juntos. Na minha formatura, ela deu um show. Quase bateu na professora que me entregou o diploma e na pista de dança, derrubou um copo de vinho na mulher. Depois de muita insistência dela, consegui perdoar. Quando consegui um emprego, ela ficou triste. Falou que eu ia abandoná-la, que arrumaria alguém no escritório e mais uma dúzia de besteiras. Tentei convencê-la de que nada disso iria acontecer e ela se acalmou.

Adélia ficou algum tempo sem aprontar alguma muito grande. Até achei que ela tinha amadurecido. Foi quando eu comprei um carro. Ah, o carro! Ela não ficou satisfeita com a ideia, falou que ele só serviria pra eu dar carona pra alguma biscate. Como sempre, falei que ela estava errada, perdi a paciência e fui embora. Ela veio andando atrás de mim, eu entrei no carro, arranquei e não é que ela se jogou na frente do automóvel em movimento. Deus! Eu já estava com medo daquela mulher. Ela foi parar no hospital por uma das brigas que a imaginação fértil dela causava. Eu já tinha decidido, não queria alguém assim na minha vida. Mas ela estava hospitalizada e aquele não era o momento ideal para conversarmos. Resolvi levar flores. Ela cismou que eu a minha intenção era conquistar a enfermeira dando-lhe flores. Foi demais pra mim. Quis estrangular aquela filha da mãe. Mas preferi ir embora e deixá-la sob os cuidados da família. Olhei pra mesinha de cabeceira que tinha ao lado da cama dela e não achei minhas chaves que estavam ali alguns minutos antes. Adélia olhou pra mim sorrindo e disse: "Eu engoli suas chaves, sei que não vou digerir, mas pelo menos você não vai embora."

Comments (0)

Postar um comentário