ENSAIO: O prato que se come frio

Postado por: Trombetas | Marcadores: | às 14:04

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Fádia Calandrini
 
Vejo em muitas tramas o tema vingança fazer muito sucesso. Tramas em suas variadas formas: novelas, filmes, séries, livros, músicas e por aí vai. Histórias muito bem formuladas fazem com que uma fraqueza do ser humano seja algo perdoável, aceitável. Vamos aos exemplos.

O clássico de João Emanuel Carneiro, A Favorita, é um objeto que ilustra muito bem o assunto. A personagem de Patrícia Pilar, a Flora, maquina durante toda a novela planos para se vingar de sua ex-melhor-amiga. Aos poucos vai acabando com a vida da personagem de Cláudia Raia, a Donatela. Tira o dinheiro, a filha, a liberdade, os amantes, os amigos. Mas o que é interessante de se observar, é que tudo isso tem uma justificativa. Sua vingança se torna aceitável aos olhos dos telespectadores pelo simples fato de que Flora também sofreu.

Outro clássico é a música “Smile” de Lily Allen. O clipe da música da inglesa é um de seus maiores sucessos e dá o exemplo de vingança ao extremo. A personagem do clipe foi traída pelo namorado e durante toda a música segue uma saga de vinganças incessantes. Manda um grupo de bandidos espancar o ex, destrói seu apartamento, coloca laxante em sua bebida, destrói sua carreira. Tudo isso de uma forma engraçada, prazerosa.

Agora, é pertinente mesmo pensar que esse sentimento é de tirar risadas, ou até mesmo oferecer algum tipo de prazer? O que faz o ser humano se sentir tão atraído por isso? É o ego ferido. O homem não suporta aceitar que foi prejudicado e não pode fazer absolutamente nada diante dessa situação. Alimentar o ego e dizer para si mesmo que “isso não vai ficar assim” só faz uma cortina de fumaça naquele buraco onde a ferida ainda continua aberta.

Aquele prato que se come frio não é porque ele demora a ser produzido, e sim porque ele não tem sabor. Ele mata a fome, mas não há prazer em consumir, o gosto é amargo, só alimenta a certeza de que o vazio continua ali, a ferida não desapareceu com o plano maquiavélico e totalmente calculado. O que fica é a certeza de que o próximo passo pode vir a ser mais sujo, e totalmente sem sentido.

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